Dez Anos Depois

Apresentação

Dez anos depois comemora uma década de atuação da Galeria Athena no Rio de Janeiro. Para celebrar esse momento, foi reunido nesta exposição uma seleção de trabalhos dos treze artistas atualmente representados, combinando obras inéditas, outras que já participaram de exposições na galeria ou mesmo de mostras importantes dentro e fora do Brasil. De maneira geral, o conjunto exibido evoca temáticas relevantes como memória, tempo, transformação social e política, construção de cidade e relações entre o material e o imaterial.

 

Ao longo desses dez anos, foram 47 exposições entre individuais e coletivas. Dez anos depois relembra através das obras de Débora Bolsoni, Laís Myrrha, Laura Belém, Vanderlei Lopes, Frederico Filippi e Rodrigo Bivar, algumas dessas mostras. Tampo com Lenço (2015), de Débora Bolsoni esteve na exposição Urbanismo Geral - primeira individual da artista na Galeria em 2015. A artista é conhecida por seus trabalhos com formas tridimensionais e que se relacionam com a arquitetura dos espaços e o urbanismo das cidades. Aqui trata-se de uma tampa de bueiro, com um tecido que a encobre parcialmente, em uma alusão a uma figura como os distintivos usados para representar sociedades ou instituições. Nessa espécie de brasão não há qualquer escrita ou elemento, mas há um fragmento de cidade, deslocado da sua função original, como um modo de trazer para o espaço da galeria um signo da urbanidade.

 

Dois anos depois, Lais Myrrha apresentou a obra Descontinuidade pelo tempo (2017), em sua individual intitulada Cálculo das Diferenças. A obra é formada por quatro placas - uma de granito preto, uma de mármore branco, uma de cimento e outra de terra - que são colocadas lado a lado e sobre elas um friso cria uma linha sulcada. Com o tempo, a linha deixa de ser contínua, pois cada um dos materiais resiste ao tempo de uma forma. O trabalho só se completa com o tempo e a linha será descontinuada.

 

Histórias Curtas (2016) também deu nome para primeira exposição da artista Laura Belém na Galeria no ano de 2016. O trabalho consiste em uma série de objetos de pedra-sabão, combinados por grupos. São peças utilitárias que haviam sido descartadas pelos artesãos, por estarem quebradas, inacabadas, ou por apresentarem algum defeito de fabricação. À coleta e seleção das peças, a artista cobre e fixa um talco da pedra sabão, a fim de enfatizar a ação do tempo. Segundo Laura, as peças descartadas a interessaram à medida que, não cumprindo o seu papel funcional, passaram a revelar um potencial escultórico único.

 

Concorrentes (2020), apesar de ser um trabalho novo e inédito na Galeria, decorre de uma pesquisa que o artista Vanderlei Lopes vem realizando ao longo dos anos. Em Tudo o que reluz é ouro, exposição individual do artista na Athena em 2014, Vanderlei apresentou trabalhos em bronze polido, com um conceito similar ao que apresentamos na exposição comemorativa. Nessa escultura, a água escoa e invade frestas, derrubando o que encontra pela frente. O estado líquido do bronze, quando incandescente, aponta para o processo de liquefação, desfazimento para construção da própria forma. Cria-se uma espécie de intervalo no qual as temporalidades do espectador e das obras se sobrepõem, evidenciando a noção de duração.

 

Relembrando uma exposição mais recente na Galeria, apresentamos Gramática (2019), de Frederico Filippi. A obra esteve exposta em sua individual, também em 2019, chamada Cobra Criada. O trabalho, feito de folhas de madeira com carvão e tinta asfáltica, recebe desenhos em suas diversas lascas. “Nesses trabalhos utilizo materiais primários. O carvão é a transformação da madeira e a tinta asfáltica o subsolo, de onde vem o metal”, conta o artista. “É como se cada fragmento de folhas de madeiras nativas fossem um fragmento de lembrança, uma testemunha viva. Ou, como diz o ditado, ‘a floresta tem mais olhos que folhas’”, ressalta.

 

Enquanto Lais, Laura, Débora, Vanderlei e Frederico rememoram exposições anteriores na Galeria, com a obra de Bivar revisitamos o espaço virtual. Mais recentemente, foi apresentada a primeira exposição online pelo site da galeria intitulada Gema, de Rodrigo Bivar. Entre as obras escolhidas, Peixe e Planta (2019) explora de modo empírico, a relação entre a cor e o desenho. Sem pensar em um projeto ou ideia prévia para seus trabalhos, o artista estabelece um jogo combinatório entre aplicação, sobreposição e encobrimento da cor. O interesse pela abstração relacionado às estruturas e às faturas da cor permitem ao artista experimentar a própria pintura.

 

Outros trabalhos que ainda não tinham sido expostos na Galeria, mas são conhecidos pelo público por seu destaque em instituições e exposições importantes nacionais e internacionais são: A Fortaleza (2010) de Yuri Firmeza, o vídeo Sem título [feijão] (1975) de Sonia Andrade e Cadeira Cativa (2019) de Matheus Rocha Pitta.

 

A Fortaleza participou da 31ª Bienal de São Paulo, em 2014, e é composta por duas fotografias. Firmeza reencena a fotografia de infância em que ele faz a pose clássica do halterofilista. Entre uma imagem e outra – um intervalo de quase duas décadas – além do crescimento e desenvolvimento do artista, chama atenção a mudança radical da paisagem de fundo. Em uma foto vemos casas, poucos prédios e um horizonte; na outra, prédios mais altos que preenchem os espaços outrora vazios.

Reconhecida por seu pioneirismo na vídeo-arte no Brasil, Sonia Andrade ganhou renome internacional pelas produções precursoras em um momento ditatorial no país na década de 1970. Suas obras, de diferentes formatos, têm percorrido exposições ao redor do mundo, bem como integram coleções notáveis. Em Dez anos depois, apresentamos o vídeo Sem título [feijão] (1975) que guarda uma curiosidade de ter sido filmado na rua da Galeria.  No vídeo, artista está sentada à mesa enquanto almoça feijão e bebe guaraná. Ao fundo uma janela e uma televisão, que passa um seriado americano e seus intervalos comerciais. Como elemento surpresa, ao fim do vídeo, Andrade lança feijão contra a câmera, como quem separa o que é exterior do que é interior, o que é real e o que é ficção.

Cadeira Cativa (2019), de Matheus Rocha Pitta, pela primeira vez é exibida no Rio de Janeiro, depois de ser apresentada no espaço de arte Auroras, em São Paulo em 2019. Em continuidade com sua recente pesquisa, o artista apresenta a instalação que utiliza correntes, uma cadeira, “paus-de-selfie”, imagens e concreto. O atravessamento desses extensores do braço contemporâneo sustenta a cadeira, suspensa, em meio às correntes. A referência visual remete ao período ditatorial, agora atravessado por uma digitalização enrijecida onde o “apontar o dedo” está calcado nesse jogo de individualidades.

Em meio as obras conhecidas e icônicas, apresentamos também um conjunto de obras inéditas dos artistas André Griffo, Desali, Rafael Alonso e Raquel Versieux. Instruções para administração de fazendas IV (2021), de André Griffo dá sequência a sua pesquisa de relacionar os espaços por ele apropriados com referências históricas e contemporâneas. Arquitetura colonial, senhores de terra, trabalhadores estão representados numa narrativas que, além de expor a estrutura social do Brasil no passado, servem para comparar com as desigualdades no presente e testemunhar a imutabilidade das coisas.

 

Também evidenciando o tempo presente, Desali explora o seu entorno e vivência urbana de diversas maneiras. Amigos e vizinhos próximos do artista são recorrentemente representados em pinturas, vídeos e fotografia, bem como a paisagem, construções permanentes e em transformação. Para a exposição Dez anos depois, o artista produziu um conjunto de retratos de personalidades relevantes que não devem ser esquecidas, mas sim exaltadas: Mariele Franco, Marighella e sua família, Antonio Benetazzo. Os trabalhos são fruto de uma pesquisa do artista que o acompanha desde a residência artística no SILO, em 2019, e que se expandiu na recente exposição da Enciclopédia Negra, na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

 

Rafael Alonso traz para a exposição duas pinturas inéditas, mas que são um desdobramento de uma pesquisa recente do artista que também foi apresentada em Olho Grande, individual do artista na Galeria Athena, em 2020. Alonso faz uso de símbolos e ícones comumente associados ao estilo de vida do carioca: o surfista e o gesto do hang loose tendo como fundo uma paisagem idealizada, sem perder o tom crítico de uma natureza ideal.

 

Por fim, Raquel Versieux traz Escritos do temporal (2021), uma série realizada a partir da pesquisa com o algodão e a relação conceitual que a artista estabelece entre esse material e a dinâmica do seu cultivo no movimento do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, comunidade agrícola soberana, de base religiosa, liderada pela beato José Lourenço, entre 1926 e 1936, quando foi perseguida e violentamente atacada pela polícia, no Crato, Ceará. Para a artista, os bordados são como linguagem e formam uma escrita que, com letras incompletas, lida com vazios dessa história.

 

Com um conjunto plural Dez anos depois celebra a trajetória da Galeria Athena, mas também afirma a parceria e a certeza dos múltiplos caminhos a percorrer. A mostra olha para o passado com orgulho, mas é sobretudo um convite ao que está por vir.

Obras