Necessidade Vontade Desejo

Apresentação
Esta não é uma exposição sobre comida, e sim sobre como é possível olhar e construir mundos a partir dela. Já na pré-história, uma das cenas mais comuns encontradas nas pinturas rupestres são cenas de caçadas, com os animais que eram abatidos ou que se desejava abater. Na Idade Média, alimentos eram representados como parte do cenário construído para pinturas religiosas de cunho realista. É só no século 16, com a definição da natureza-morta como um gênero artístico, que a mesa posta com frutas, flores e carnes e animais mortos, abatidos para consumo, além de jarras, copos e louça, ganha o plano principal da tela. Em um momento em que boa parte da produção artística estava voltada para grandes feitos e personagens históricos e religiosos, com quadros de batalha, retratos e paisagem, as naturezas-mortas traziam elementos do cotidiano, em um ambiente doméstico.
 
Tidas inicialmente quase como possibilidades para exercitar a percepção e a técnica da pintura, as naturezas-mortas e o uso ou referências a alimentos ganharam cada vez mais autonomia e complexidade ao longo da história da arte. Ainda no século 16, o pintor italiano Giuseppe Arcimboldo ficou conhecido por fazer retratos construídos a partir de elementos como frutas, legumes e flores. Na segunda metade do século 19, o pintor brasileiro Estevão Silva foi primeiro artista negro a ganhar destaque na Academia Imperial de Belas Artes, ao apresentar suas naturezas-mortas com pedaços das frutas retratadas atrás dos quadros, perfumando o ambiente e chamando atenção para a dimensão sensorial da percepção. Durante as inquietações da produção da arte moderna, o poeta francês Guillaume Apollinaire publicou em 1913 suas ideias sobre o cubismo culinário, depois rebatizado de gastroastronomismo, propondo jantares que eram experiências artísticas pensadas fora das convenções dos grandes jantares, para provocar reações físicas e sensoriais. Quase duas décadas depois, em 1932, o futurista italiano Filippo Tommaso Marinetti publicou La cucina futurista, provocando o público com sua "cruzada contra as massas" e prometendo expandir mentes e públicos com suas receitas totalmente inusitadas. Na produção contemporânea, são marcos inevitáveis o interesse da Arte Pop pelas dinâmicas de propaganda e consumo, com as latas de sopa Campbell de Andy Wahrol e as grandes esculturas de alimentos fast-food de Claes Oldenburg. 
 
Necessidade Vontade Desejo não é uma exposição sobre comida, mas de como é possível olhar o mundo a partir dela. Os trabalhos reunidos aqui compartilham referências a um universo culinário/gastronômico para nos levar muito além dele. Em conjunto, quase 30 artistas de diferentes gerações abordam possibilidades de leitura, como social, artística, geopolítica, religiosa, econômica e histórica. Falar de comida é pensar sobre modos de produção, distribuição, preparação e consumo de alimentos. De onde eles vêm e quem tem, ou não, acesso a eles. E porquê. A comida como algo que sustenta o presente, mantem vivo o passado e cria futuros possíveis. Ela está no prato, mas também nas figuras de linguagem, no sentido figurado, nas gírias e nos ditados populares. É o que desperta a percepção e o instinto. É o que te faz comer com os olhos, o que te pega pela boca, o que te faz salivar, o que fica preso na garganta, o que revira o estômago.
 
 Fernanda Lopes
Vistas da exposição
Obras