Rodrigo Bivar: O próximo, o longe, o horizonte

Apresentação

A noção de intimidade parece mover não apenas o conjunto de obras recentes de Rodrigo Bivar, mas também outros momentos de suas quase duas décadas de pesquisa como pintor e artista visual.

Quando observamos o início de sua produção e suas experimentações até o começo da década de 2010, notamos o seu interesse por temas que envolvem a presença do corpo humano e sua relação com a paisagem; as imagens feitas pelo artista parecem ser provenientes de uma espécie de álbum de recordações de uma viagem de férias. Praias, montanhas, florestas e pessoas engajadas em situações de lazer e contemplação são alguns dos motivos desses trabalhos. Por vezes, o corpo humano não se faz presente e seu olhar é lançado sobre os muitos objetos que poderiam compor uma certa esfera íntima dessas atividades.

Alguns anos depois, Bivar começa a experimentar com aquilo que convencionamos de chamar, no campo da história da arte, de abstração. Uma vez que sua pintura deixava de lado seu caráter imitativo e realista anterior, o contraste entre cores se torna mais radical e o artista não teve receio de experimentar tanto com formas mais orgânicas e curvilíneas, tanto também com uma geometria linear. Acredito que também poderíamos pensar na noção de intimidade aqui, mas não mais enquanto assunto das pinturas, mas talvez enquanto modus operandi; apenas uma pessoa que já tivesse tamanha intimidade com a linguagem pictórica seria capaz de abdicar temporariamente da figuração e experimentar com a abstração.

Eis, portanto, o que me parece ser um dado essencial da produção de Bivar, mas ao mesmo executado de forma discreta: a experimentação. A exposição “O próximo, o longe, o horizonte” me parece exemplar da forma como o artista recentemente tem trazido ao público obras que são resultado de suas trilhas diferentes, mas consecutivas no campo da pintura. O título da mostra – extraído do livro “O visível e o invisível” (1964), do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty – nos oferece uma ponte para observar os trabalhos aqui reunidos.

As figuras reunidas nessas imagens constituem para o artista uma noção de família – seus dois filhos, seu enteado e sua companheira. Ao escolhê-las como temas de suas obras, temos um jogo entre o familiar e o estranho, entre aquelas pessoas com as quais a convivência é rotineira e o desejo de transformá-las em imagem pintada. De maneira consciente ou não, há certamente um dado existencial digno de nota ao se tomar conhecimento dessas identidades e suas relações biográficas com o artista.

A expressão facial do retrato feito em maior escala de seu filho mais velho, Emerson, parece trazer algo de curiosidade. Seu rosto, centralizado na tela, encara o espectador com toda a flama da vivacidade de uma criança. Em comparação, no retrato de sua companheira – aquele que tem o mesmo título da exposição –, Bivar se vale de uma estratégia compositiva explorada por diversos artistas celebrados pela história da arte: mostrar um corpo de costas. Uma vez que vemos apenas o seu cabelo e o contorno de seus ombros, iniciamos um exercício de imaginação – como seria o seu rosto? Qual expressão estaria oculta do olhar do público? Sem nunca termos acesso a uma resposta precisa, essa mulher parece olhar para a paisagem à sua frente.

É nesse momento que entra em jogo de maneira mais explícita não apenas a noção de distância contida no título da exposição, mas também a ideia de horizonte; em um momento histórico em que a noção de isolamento social ainda impera e parece resguardar certa segurança das infecções pandêmicas, Bivar optou por, em todas essas novas pinturas, trazer algo que remete à natureza e à paisagem. As cores exploradas fogem rapidamente de qualquer desejo de realismo e nos levam a perceber como a sua temporada experimentando com a abstração fez com que o artista chegasse a uma paleta mais viva que não receia apostar em fortes contrastes de cor.

Esses elementos são mais visíveis nas três pinturas presentes na exposição onde vemos uma sequência de pássaros. Se chamamos as imagens onde o corpo humano é protagonista de “retratos”, qual seria o problema em encarar esta série de forma semelhante? Possuindo os mesmos tamanhos das outras pinturas, essas imagens, no que diz respeito ao seu enquadramento, não se intimidam por serem dedicadas à observação dos pássaros; é como se esses animais fossem tão importantes quanto a família de Bivar e merecessem também ter seu espaço nessa galeria de retratos que ele sugere na exposição.

Pousados com suas duas patas sobre pinceladas que remetem a galhos de árvores, ao nos aproximarmos da superfície das telas percebemos como a vibração dessas cores ativa os nossos corpos. “Gaturamo”, “Saíra amarela” e “Tangará” trazem tanto a atenção que Bivar dá para as diferentes anatomias desses animais – basta observar seus bicos, extensões do corpo e forma dos olhos -, quanto também o cuidado que ele tem em pensar os fundos dessas figuras. Se recortássemos os pássaros dessas imagens, teríamos um conjunto de pinturas abstratas. Olhando por outro lado, até que ponto – não apenas nessas imagens, mas no conjunto da trajetória do artista – a figuração não é apenas um estopim para, justamente, seu olhar e suas mãos experimentarem formas e cores que, como René Magritte nos ensinou há quase um século, sempre serão abstrações disso que convencionamos chamar de realidade?

Ao ficarmos de pé no centro da maior sala da Galeria Athena, nosso corpo se move circularmente e apreende um horizonte proposto pelo artista que parece responder aos tempos frenéticos que vivemos com uma certa noção de calmaria. Lembro-me de uma frase atribuída a Simônides e escrita por Plutarco em sua “Moralia” – frase essa celebremente citada e desenvolvida por Leonardo da Vinci. A citação diz que “A pintura é uma poesia cega e a poesia é uma pintura que fala”.

Estas imagens propostas pelo pintor-ornitólogo-retratista Rodrigo Bivar parecem falar de sua suposta mudez, mas simultaneamente nos convidam a fecharmos os olhos, ouvirmos os sons fictícios do canto desses pássaros e nos lembrarmos de algumas das nossas memórias familiares. Como ele nos ensina nessa exposição, as noções de “próximo” e “longe” são provisórias, assim como as formas como um mesmo artista pode pensar a pintura no decorrer de sua vida.

Raphael Fonseca

Vistas da exposição
Obras