Até onde a vista alcança
Galeria Athena tem o prazer de apresentar a exposição coletiva Até onde a vista alcança, com curadoria de Fernanda Lopes.
Alfredo Volpi, Ana Dias Batista, André Komatsu, Antônio Dias, Débora Bolsoni, Ernesto Neto, Floriano Romano, Frederico Filippi, Giovanni Battista Castagneto, José Pancetti, Julia Arbex, Lais Myrrha, Lara Ovídio, Matheus Rocha Pitta, Thiago Rocha Pitta, Vanderlei Lopes, Wanda Pimentel.
Ao contrário do que pode parecer, o título dessa exposição está longe de ser uma afirmação, ou uma simples constatação. É, na verdade, uma pergunta, ou um desafio, que acompanhou todo o processo de concepção e construção do que agora se vê na Sala Cubo, na Galeria Athena. Ele parte do entendimento de que olhar a paisagem não pode ser só constatar o que está à nossa volta, mas sim pensar como o que está à nossa volta se constitui. Chama atenção para a diferença entre olhar e ver. Ver é duvidar, olhar duas vezes. Ver é não nos contentarmos com uma posição passiva e tornar nosso olhar (e todo o corpo) mais ativo. Uma simples paisagem não tem nada de simples.
Nesse sentido, obras como as de Castagneto, Volpi e Pancetti tornam presente na exposição a lembrança que nossa história (não só da arte, mas geral) tem como um de seus marcos de início, e depois reinício, a paisagem. A narrativa de “descobrimento” do Brasil passa pela ideia de uma paisagem exótica, não-europeia, registrada pelas expedições artísticas e científicas que além de fauna e flora, incluíam também os “tipo humanos”. A obra mais antiga presente na exposição é uma pequena pintura de Castagneto, realizada no final do século 19. Aos olhos de hoje ela pode parecer uma pintura convencional, mas é um desdobramento da participação do artista no Grupo Grimm. O alemão George Grimm foi professor da cadeira de paisagem, flores e animais da Academia Imperial de Belas Artes – criada em 1826 inaugurando o ensino artístico no Brasil em moldes semelhantes aos das academias de arte europeias. Em 1884, Grimm deixa o cargo por divergências com a diretoria e outros professores relacionadas à metodologia de ensino da instituição. Longe da academia, cria um ateliê ao ar livre, na Praia de Boa Viagem em Niterói, onde estimula a prática da pintura ao ar livre ao lado de outros artistas, alguns ex-alunos da Aiba, como Antonio Parreiras e o próprio Castagneto. Essa mudança influencia fortemente sua pintura, que deixou de lado princípios acadêmicos (europeus) como precisão, realismo e proporção, em favor de pinceladas livres, forte gestualismo e tendência ao monocromatismo.
Décadas depois, nos primeiros anos do Brasil República, as fachadas Alfredo Volpi e as marinhas de José Pancetti, por exemplo, são desdobramentos de uma insatisfação que já vinha sendo manifestada em iniciativas anteriores, como o Grupo Grimm, que buscavam deixar de lado o olhar estrangeiro na construção do nosso imaginário (e nossa história). A Semana de Arte Moderna de 1922 é um marco dessa discussão, com um discurso que chamava atenção para a necessidade de redescobrir o Brasil. Olhar nossa paisagem e nossa história com “olhos livres”, como disse Oswald de Andrade no manifesto Pau-Brasil, permeia parte da produção da primeira metade do século 20, e encontra eco na busca de autonomia que marca a arte moderna. No caso das produções de Volpi e Pancetti, é a partir do olhar para a paisagem que se estrutura o processo de simplificação da forma, em uma aproximação da abstração, se constituindo como referências para a produção geométrica que ganha força nos anos 1950 no Brasil.
Além de pintura, Até onde a vista alcança apresenta também fotografia, objeto, escultura, intervenção, colagem, vídeo e obra sonora, revelando, para além de uma dimensão mais histórica, a possibilidade de releituras contemporâneas da paisagem. Reunindo obras realizadas nas últimas cinco décadas, incluindo algumas inéditas, a mostra aponta a “paisagem” como um elemento subjetivo, inconstante, e em movimento. É uma paisagem que deixa de ser pano de fundo, cenário onde algo acontece, para assumir o primeiro plano, o papel principal. É também um olhar, seja do artista, seja do público, menos passivo.
Wanda Pimentel faz referência à pintura histórica de paisagem fazendo coincidir o formato de uma janela com o formato da tela. Nela “vemos” uma das vistas mais famosas do Rio de Janeiro, mas também a estrutura da janela. Já trabalhos como de Débora Bolsoni [Banglã é estrutura que lembra uma grande janela, ou palco, cujos tecidos reagem com os movimentos e pequenos ventos do espaço onde está instalado], Julia Arbex [os trabalhos Sedimentação são resultado do tempo que a artista mantem o papel em contato com a água e a argila], Thiago Rocha Pitta [tornando visível movimentações na paisagem que muitas vezes não são visíveis à olho nu, como eclipses e quedas de meteoritos] e Vanderlei Lopes [congelando um momento de passagem do tempo e de momento da paisagem evidenciado pelo deslocamento da luz] se interessam, de maneiras diferentes, em chamar atenção para o tempo que passa em uma velocidade diferente da nossa (e que por isso dificilmente percebemos).
Há também trabalhos que reconhecem a paisagem como território – um espaço resultado da ação do homem, ressaltando sua dimensão e sentido político. Noções de fronteira [Antonio Dias, Frederico Fillipi, Lais Myrrha], instabilidade [Ernesto Neto], deslocamento [Floriano Romano, Lara Ovídio, Matheus Rocha Pitta], projeto [André Komatsu] e escala [Ana Dias Batista e Débora Bolsoni] ressaltam a ideia de paisagem como construção – o que nos leva a pensar que, se é construída, é construída por alguém, com alguma motivação, em determinado período. A partir desse conjunto de quase 40 trabalhos e 17 artistas, Até onde a vista alcança se vale de um ponto de partida aparentemente confortável e inofensivo, como a paisagem, para apresentar diálogos entre diferentes artistas, estimulando o olhar do público para a produção artística e para o que está à sua volta.
Fernanda Lopes