Victor Mattina: Assim passou a ver tudo quanto não havia
Exposições passadas exhibition
Apresentação
As pinturas de Victor Mattina são como esfinges. Essas criaturas mitológicas fantásticas, presentes em diferentes culturas da Antiguidade, são representadas em geral com corpo de leão e rosto humano e ficaram conhecidas especialmente pelo mito Édipo e a Esfinge. Conta a história que a Esfinge desafiava todos os que tentavam atravessar o deserto com um enigma para o qual só havia uma resposta certa. Os que não acertavam eram devorados. Édipo se apresentou diante da Esfinge e conseguiu acertar a resposta. Da mesma maneira funcionam as imagens construídas por Mattina. O conjunto inédito da exposição Assim que passou a ver tudo quanto não havia revela a pesquisa pictórica mais recente do artista carioca, que desde 2010 vem investigando a partir da pintura questões relacionadas à opacidade da imagem, sua construção, à autenticidade, reprodutibilidade e autoria são tratadas. Quando olhamos para as quase dez telas reunidas, elas parecem olhar de volta com uma única pergunta: “O que você vê?”.
O título da mostra é uma releitura de um trecho da música Gênesis, de Caetano Veloso: “Assim que passou a haver tudo quanto não havia”. O verbo “haver” no original foi substituído pelo termo homófono “a ver”, mantendo a mesma sonoridade, mas enfatizando a importância do olhar na pesquisa de Mattina. Seu ponto de partida são imagens encontradas ou produzidas a partir de ferramentas de buscas online e inteligência artificial. O artista indica com algumas informações, comandos ou palavras-chaves, e a ferramenta matemática articula padrões, recorrências, modelos para dar suas respostas. Todas essas informações geram inevitavelmente ruídos, inclusive visuais, e são nessas áreas nebulosas que opera Mattina. Ele, que queria ser mágico, constrói imagens ilusórias, miragens, onde quase sempre vemos o que queremos, ou o que temos ferramentas para ver. São imagens muitas vezes marcadas por uma luz fria, como a de telas e monitores de aparelhos eletrônicos, que ofuscam o olhar e funcionam quase como espelhos, ao mesmo tempo em que nos fazem acreditar na possibilidade de certa religiosidade ou de um caráter fantástico/onírico presente ali. É uma falsa promessa estética – promessa que a imagem, inclusive a pintada, parece fazer sempre. É como um evangelho mudo.
Depois de algum tempo olhando essas imagens, a pergunta “O que você vê?” parece quase que obrigatoriamente nos leva para uma segunda pergunta: Por que você vê o que você vê? As pinturas de Victor constroem imagens que não são exatamente o que aparentam. Nunca. Diferente da Esfinge de Édipo, aqui não há uma resposta certa. O que há é o interesse na pergunta, na dúvida, e de nos levar a fazer o exercício de pensar sobre coisas que cada vez mais tomamos como indiscutíveis – seja por uma crença inabalável, seja por comodismo ou hábito. Me faz pensar em Tunga, para quem a arte era a possibilidade de responder a uma pergunta com outra pergunta. E é exatamente aí que chama atenção certo aspecto mitológico ou religioso nas pinturas de Victor Mattina. Tanto mitologia quanto religião nascem como tentativas de falar sobre a origem – seja do mundo, dos comportamentos e até das imagens. São ferramentas de como podemos ou devemos olhar o mundo. Assim essa possível dimensão mitológica ou religiosa, não se daria pela superfície, na construção de imagens fantásticas ou ancestrais, mas sim por uma questão de princípio, de operar em uma mesma lógica, nos colocando diante de imagens construídas para nos levar para longe e assim ver melhor o que está do nosso lado.
Fernanda Lopes
Vistas da exposição
Obras