Débora Bolzsoni: Geometria Sonambular
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Apresentação
A Galeria Athena tem o prazer de apresentar a exposição individual Débora Bolzsoni: Geometria Sonambular.
Em meio às nossas conversas sobre esta exposição, Débora Bolzsoni disse uma frase que ficou reverberando para mim durante todo o processo: “Se me der espaço, eu tomo conta!” (assim mesmo, com a animação da exclamação). Em sua produção de mais de duas décadas, a artista estabeleceu de maneira recorrente uma espécie de jogo de investigação do espaço, seja ele urbano, doméstico ou expositivo. E mais do que pela simples ocupação – preencher um espaço dado, constatar-se presente nele –, essa investigação vem se dando por essa ideia de “tomar conta”, estar de posse desse espaço (seja ele qual for), exercendo um domínio sobre ele, fazendo-o sua propriedade.
Esse é um importante ponto de partida para pensar a obra geral de Bolzsoni, mas especialmente a exposição GeometriaSonambular, que reúne cinco obras inéditas. Aqui, a peça central é resultado de uma ação aparentemente simples de deslocar a estrutura de iluminação da sala de exposição da galeria. Antes invisível por sua localização fora do campo de visão (no alto de quase sete metros de pé direito do cubo de 113 m2) e por executar bem sua função original, a estrutura agora é um corpo cuja presença é impossível evitar, alterando nossa percepção e locomoção no espaço. Esse deslocamento físico também implica em um deslocamento conceitual, uma vez que materiais como o metal da peça, além de fios, lâmpadas e cabos usados no sistema de iluminação e na movimentação da estrutura, agora fazem parte da obra. Esses mesmos elementos e princípios reverberam nas outras quatro obras da exposição, todas inéditas. Maquetes realizadas ao longo do projeto garantem a presença de outras ocupações e outros pontos de vista possíveis. Essa inversão de escala para menos também ganha um espelhamento inverso, com um grande travesseiro, que destituído de seu uso original pelo agigantamento da escala, se parece com uma pintura presa na parede. Um quinto elemento, uma espécie de basculante transformado em plano ou suporte, completa o conjunto, seguindo as mesmas lógicas.
Pensar em uma Geometria Sonambular nesta exposição aponta para uma sensação quase vertiginosa que Débora Bolzsoni propõe para o espaço e os objetos, com alterações de escalas, entre a maquete e o quase-monumental, além da inversão de usos/funções e deslocamentos de materiais. Ao mesmo tempo, pensar esse nome como conceito de sua obra nos remete à produção de uma artista que é parte de uma geração interessada em ligar com a herança da leitura da tradição geométrica realizada no Brasil dos anos 1950. No rastro das experiências concreta e neoconcreta, essa discussão ganha outros contornos
(e expressões conceituais fundamentais) no ano de 1978.
A primeira delas, com a exposição coletiva Geometria Sensível, organizada por Roberto Pontual no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. O então diretor de exposições do museu usou esse termo para tentar explicar os desdobramentos da tradição geométrica na América Latina dos anos 1950, unindo duas palavras aparentemente conflitantes. De um lado a noção de “geometria”, normalmente ligada ao cálculo, à frieza, ao rigor, e ao exercício da razão. Do outro, “sensível” garantiria a imprevisibilidade, a animação, a indeterminação, a prática intuitiva.
Meses mais tarde, Ivald Granado realiza a ação MitosVadios, reunindo em um estacionamento na Rua Augusta, em São Paulo, um grupo de artistas convidados a desenvolverem ações, em um “acontecimento totalmente experimental”, protestando contra a primeira e última Bienal Latino-Americana, intitulada MitoseMagia. Entre os artistas estava Hélio Oiticica, e é no contexto dos Mitos Vadios que ele formaliza a ideia de “Delirium Ambulatorium”. Aqui, a prática de deambular (central na vida e no trabalho de Oiticica desde quase o princípio), se apresenta com um caráter conceitual, propondo a emancipação do corpo no embate direto e imediato com o mundo, no exercício da possibilidade de "poetizar o urbano".
Em GeometriaSonambular (exposição e princípio-motor), Bolzsoni parece estabelecer um ponto de encontro possível entre esses dois marcos. Seu interesse pela lógica geométrica existe, mas com certo humor, certa ironia, que se apresentam desde o uso/deslocamento de materiais cotidianos, encontrados em caminhadas pela cidade (muitas vezes em lojas de material de construção), até a relação entre o título das obras e sua sonoridade e as relações com a materialidade da obra e sua relação com o espaço. A GeometriaSonambularde Débora Bolzsoni é um projeto. Importante perceber que “sonambular” é verbo, ação. Assim, essa ideia de projeto não se dá no sentido de uma escrita descritiva, em um roteiro preciso de execução de algo, que deve ser realizado fielmente do início ao fim. É sim uma ação, uma aposta no pensamento e no processo artísticos como desejo, como intenção de realizar algo, incorporando dúvidas e acasos como lógica de trabalho e de relação com o mundo.
Fernanda Lopes
Obras