Matheus Rocha Pitta: Mandamento Pop

Apresentação

Matheus Rocha Pitta, em sincronia com o presente debate público acerca das políticas de visibilidade das imagens de violência, enfrenta, por meio do corpo de trabalhos que integram a mostra Mandamento Pop, a perenidade e a fugacidade das fotografias de conflitos - ao inscrever em pedra (literalmente infundindo recortes de jornal em lápides de cimento), o artista atualiza a questão do estatuto imagético dos retratos de guerra, amalgamando reminiscências do passado enquanto como fulgurações do futuro.

 

Por meio de esculturas cujas infra-estruturas são redes de imagens justapostas por cortes secos, sua provocação, quando vincula a corporeidade de um globo ocular à intangibilidade da esfera pública, nos confronta com um dilema cotidiano: imersos em um abismal ecossistema midiático, cujo principio e fim são sua própria manutenção, há forma de conceber imagens para além de nossos círculos, concêntricos, de emissão e recepção? "Furar a bolha", como sugere, nos expõe, ou protege, do mal (que somos)?

 

Não é para menos que a alcunha da principal ferramenta desta lida com a terra fértil das imagens telemáticas contém a palavra "selfie". A lógica panóptica saturou com imagens não somente a existência cotidiana, mas, sobretudo, nossa visão de mundo, através de uma obsessão de catalogação das experiências. A ideia de apagamento nos gera terror, porém, temos o esquecimento como prática memorial, pois é nos próprios aparatos técnicos que reside a obsolescência programada como procedimento mnemônico.

 

A indistinção entre registro e vivência, a partir da qual este novo realismo se manifesta, contempla a cultura industrial dos meios de comunicação, revelando uma memória coletiva formada pela descontinuidade das imagens; uma iconografia resultante da liquidificação. Adaptamo-nos a essas práticas, promovendo profundas mudanças nas formas como pensamos, nos modos como vivemos, a maioria delas relacionadas ao panorama da cibercultura, que forjou novas formas de percepção sobre o eu, e o outro.

 

Lygia Clark, aqui concretamente materializada como espectro incorporado do retrato em que observa um olho, por meio dele e vice-versa, não poderia ser conclamada mais adequadamente. Sua obra Óculos, de 1968, consiste em um objeto sensorial, como denomina a autora, composto por máscaras oculares que podem ser usadas e experimentadas por uma pessoa sozinha, ou duas pessoas de frente uma para a outra, propondo encontros, e desencontros, de miradas. Uma convergência via sobreposição.

 

Tais aparatos técnicos antecipam as dinâmicas de domesticação da visão como mecanismo de controle dos corpos, impostos pelos sistemas normativos da Sociedade do Espetáculo, e questionam a noção de visão única do sujeito moderno, sobretudo no que concerne aos indivíduos embebidos no consumo neoliberal do entretenimento. Aqui, em atualização pétrea, o humano e o olhar se fundem, como que num universo esférico que, ao mesmo tempo, isola e permeia. "Ao redor do buraco tudo é beira".

 

Neste campo de batalha, em que interpelam-se as práticas da auto-imagem, é que surjem as alianças mais imbricadas, pelas quais conformamos verdadeiras escritas de si. Imagens-esfinges que desafiam a trincheira em que buscamos delinear limites que determinem se são as imagens que portam as pessoas ou as pessoas que comportam as imagens. Em tempos de deep fake, uma única verdade é possível - pode ser mentira.

É como se estes artistas prescindissem de algum ponto para direcionar sua visão a si - não somente o ato físico de olhar para alguma coisa, mas também o fato de que não há uma visão única, mas múltipla. Via maquinário de consumo, sobretudo por meio digital, deglutimos imagens como pizzas requentadas, quase que em comemoração de canibais vorazes pelo centenário das latas de sopa. Como se fosse Narciso horrorizado, a Pop Art recobra vida, enquanto convite à autofagia: o homem é o olho do homem.

 

Leno Veras

Vistas da exposição
Obras