José Cláudio: Carimbos
“Carimbos” é uma série de desenhos de José Cláudio datada do período de 1968 a 1972, que colocou o artista pernambucano dentre um dos principais nomes do Movimento Poema / Processo, junto com Wlademir Dias Pino, Moacy Cirne e Neide de Sá. Como o próprio título sugere, os desenhos são resultado de um gesto repetitivo realizado pelo artista: a ação de carimbar sobre o papel; criando um efeito de espelhamento possível através da prensa de um ou vários carimbos sob o suporte. A exposição individual do artista é uma colaboração com a Galeria Base, de São Paulo, e conta com um conjunto de 23 obras.
José Cláudio é um artista multifacetado, bem como sua produção. Nascido em 1932, em Ipojuca, Pernambuco, o desenhista, pintor, gravador e escritor interrompeu a Faculdade de Direito, em Recife, ao entrar no grupo denominado de Atelier Coletivo em 1952. A partir desta data começou a dedicar-se somente às artes. As obras em exposição na Galeria Athena são um recorte de um momento artístico específico da sua trajetória, pouco vista no Rio de Janeiro.
Sua relação com os carimbos surge desde a sua infância, quando José Cláudio talhava selos em borrachas escolares para marcar seus livros. Em texto, o artista descreve:
“(...) na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), no Grupo de Estudos do Vale do Jaguaribe, rio que fica no Ceará, ou Projeto Morada Nova, cidade do Ceará, precisava-se fazer com urgência uma série de desenhos de plantações especificando planta por planta, seu alinhamento, para mostrar ao embaixador de Israel. Ainda não havia uns desenhinhos tipo letraset, que era só colar. (...) Lembrei-me do tempo de criança em Ipojuca, quando os meninos recortavam na borracha de apagar suas iniciais para sair carimbando nos cadernos e em todo lugar. A gente melava na tinta de escrever e carimbava. (...) Sugeri usar o método nos mapas do projeto da Sudene e assim foi feito, eu recortando as borrachas com o bisturi que usávamos para raspar desenho a nanquim, a caneta Graphus, no papel vegetal. Derramávamos um pouco de nanquim em cima de um vidro plano ou algo símile, molhávamos o carimbinho e carimbávamos no lugar certo. Depois do serviço, aqueles carimbos ficaram por lá sem serventia e, para não botar no lixo, trouxe-os para casa” [1].
Apesar da facilidade em conectar os desenhos de carimbo com as experimentações que, desde os fins dos anos 1940, vinham revolucionando a poesia e as artes visuais no Brasil, o próprio artista revelou em outra passagem que os carimbos “aconteceram sem nenhuma ideia deliberada de vanguarda ou experimentalismo”[2]. Não há intenção figurativa, mas uma criação gráfica feita por camadas que ganham densidades e acúmulos distintos a cada trabalho. O gesto, ainda que não seja do pincel, está presente na pressão da mão do artista sobre as formas orgânicas talhadas. Entintar o carimbo diretamente no nanquim proporciona ao artista superfícies mais chapadas, que se afastam da característica de falha inerente ao carimbo e se aproximam de seus desenhos pretos em nanquim e bico de pena.
O procedimento de talhar seus próprios carimbos permitia ao artista deixar a forma do carimbo “em aberto”, para modifica-lo ao longo do processo de criação das suas composições. Isto garantia uma relação estética de caráter semiótico. Em correspondência de 1968, Walter Zanini responde com entusiasmo às experimentações de José Cláudio, frisando que seus carimbos “(...) são realmente fruto de uma pesquisa, nascida no acaso, verdade, mas aprofundada para atingir a semiótica imprevista e rica”.
Estão reunidos nessa exposição anos de experimentação pessoal, em desenhos que exploram aspectos tão diversos quanto os signos linguísticos ou as possibilidades gráficas para além da letra, do alfabeto, da palavra. Longe de ser só um ato mecânico ou eminentemente conceitual, os trabalhos tencionam a poesia, o desenho, a linguística, o objeto-carimbo e constituem um pensamento gráfico abundante de possibilidades e desafios. Estes trabalhos se tornaram uma referência fundamental para os artistas da arte-correio e do poema visual dos anos 1970 no país.
Sobre o artista
Artista participante de cinco edições da Bienal Internacional de São Paulo, José Cláudio começou a sua carreira muito cedo. Aos 20 anos de idade (1952) ao lado de Abelardo da Hora (1924 -2014), Gilvan Samico (1928 - 2013) e Wellington Virgolino (1929 - 1988), entre outros, funda o Ateliê Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife - SAMR. Posteriormente, em Salvador, José Cláudio é orientado por Mario Cravo Júnior (1923), Carybé (1911 - 1997) e Jenner Augusto (1924 - 2003). Viaja para São Paulo em 1955, onde inicialmente trabalha com Di Cavalcanti (1897 - 1976), estudando também gravura com Lívio Abramo (1903 - 1992) na Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP.
Recebe bolsa de estudos da Fundação Rotelini, em 1957, permanecendo por um ano em Roma, na Academia de Belas Artes. De volta ao Brasil, passa a residir em Olinda e escreve artigos sobre artes plásticas para o Diário da Noite, do Recife.
Dentre suas principais exposições estão Bienal de São Paulo por cinco edições (1957, 1959, 1961, 1963 e 1985), três edições do Panorama da Arte Brasileira - MAM (1969, 1983 e 1993), Pernambuco Experimental no Museu de Arte do Rio (2015), Exposição Carimbos, no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (2017) e À Nordeste no SESC 24 de Maio (2019).
Seu trabalho está presente nas coleções de São Paulo: Museu de Arte Moderna, Museu de Arte Contemporânea/USP e Itaú Cultural, no Recife do Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães e no Museu de Arte do Rio. Atualmente vive e trabalha em Olinda-PE.