Débora Bolsoni: Urbanismo Geral

Apresentação

Grande parte do trabalho de Débora Bolsoni surge da investigação sobre estratégias de exibição. Os dispositivos que ela elabora, sejam estantes, carrinhos ou painéis, são ao mesmo tempo suportes para mostrar a obra e também a própria obra. É curioso perceber um parentesco entre o modo como Débora Bolsoni e muitos curadores pensam. Ambos estão interessado na expografia e em tudo que diz respeito ao ambiente e ao mobiliário usado numa mostra. Sem dúvida o modo como um trabalho é exposto passou a ser tão importante quanto o que está sendo exposto. Para a artista não há uma separação entre “o que” e “como” o trabalho se apresenta para o público.


Suas peças condensam esse duplo aspecto de estarem sob o olhar do visitante e, ao mesmo tempo, se camuflarem, como se estivessem lá para serem dispositivos de exibição de outras peças. Os objetos que estariam na estante constituem a estrutura que a sustenta, tal como uma estante de livros feita de livros. Mas os livros da artista são de azulejos, e por isso se confundem com uma parede.

Os trabalhos de Débora Bolsoni possuem um tempo de maturação expandido. Eles ficam no ateliê, parados, sendo vistos e revistos pela artista durante anos. Além disso, há um deslocamento de alguns materiais que ela usa em relação ao seu próprio tempo. Não por acaso os livros feitos de revestimento cerâmico são garimpados em cemitérios de azulejos que guardam exemplares remanescentes, placas com padrões fora de linha, descartados pela indústria da construção civil e fora de moda por um certo gosto médio.


Não só os materiais perduram em sua poética. Algumas formas são exibidas e depois reaparecem em nova configuração, tanto retomando seu sentido inicial quanto se ampliando. É o caso de Splash, que já foi mostrado como um calendário em papel rosado e que se tornou uma grade, uma espécie de portão, um fragmento da cidade que faz a mediação entre o espaço público e o privado. O padrão do gradil tem algo de doméstico, mas não deixa de ser um instrumento de segregação. As grades e lanças são signos recorrentes na trajetória de Debora Bolsoni. Elas já foram elementos autônomos e agora reaparecem nas estantes. As grades guardam tanto um apelo por segurança, evocando o enclausuramento da vida social, como também padrões e desenhos bastante sutis.

Justaposto numa malha de metal, o formato splash, proveniente de anúncios publicitários, é um elemento vazado, um suporte para uma oferta ou aviso que costuma estar ali. A forma é feita para chamar atenção em liquidações do comércio. Produtos e cifras são o que geralmente preenchem esse oco contornado com linha em zig zag vibrante. No universo das histórias em quadrinhos seria como um balão contornado por triângulos pontiagudos que indicam uma explosão ou que representa um grito. Mas antes de tudo eles são  aqui signos do consumo, um emblema, tema caro para a artista, do modo como nos relacionamos com as mercadorias.

A peça central da mostra é uma alusão a uma figura simbólica, como os distintivos e insígnias usados para representar sociedades o instituições. Mas aqui, trata-se de uma tampa de bueiro tal como as encontradas na cidade, com um tecido que a encobre parcialmente, deixando apenas uma faixa vertical visível. Mas nessa espécie de brasão não há qualquer escrita ou elemento que possua tradução. A relação com o campo da heráldica é indireta. Há um certo enigma e opacidade no trabalho, ao mesmo tempo que uma abertura de sentidos.

Um fragmento da cidade, deslocado de sua função original, é um modo de trazer para o espaço da galeria um signo da urbanidade. Mas nessa peça há também um tecido com detalhes delicados, bordas e dobras que geram formas triangulares que compõem um quadrilátero. Apesar do contraste entre o tecido,  elemento mais íntimo e privado, com a brutalidade da tampa de metal, o trabalho se organiza como uma unidade indivisível.

Figuras recorrentes na trajetória de Débora Bolsoni se transformam em estampas decalcadas em placas de cerâmica. Para serem fixadas, as placas retornaram ao forno. Desenhos da artista passam a dialogar com as estampas originais dos azulejos. Splash se transforma, por exemplo, numa espécie de selo. Esse conjunto de revestimentos cerâmicos estão disponíveis para serem consultados num carrinho de reposição, como numa feira de estampas, um showroom de materiais de construção. O que interessa para a artista é justamente aqueles elementos que escapam do projeto arquitetônico e que estão entre a decoração de interiores e um item básico da casa. Aquilo que o cliente escolhe num mostruário, seja tecido, estampa, móvel ou azulejo.

A presente mostra, a primeira individual que Debora Bolsoni faz no Rio de Janeiro, é uma espécie de apresentação de seu vocabulário e repertório de formas. Uma introdução aos seus objetos indeterminados que aliam modos de apresentação com signos do consumo presentes na construção civil.

 

 Cauê Alves

Vistas da exposição
Obras