Laura Belém: Histórias curtas
A obra de Laura Belém instaura ambiguidades e questões filosóficas para pensar a contemporaneidade ao incorporar histórias periféricas como um modo reflexivo de suas ações, entrelaçando diversos aspectos em sua constituição. O seu fazer artístico não se origina apenas no espaço silencioso e intimista do atelier, mas realiza a sua inscrição no mundo em uma esfera pública: ele reivindica a presença física do espectador, como se essa percepção fosse cumulativa para o processo de intervenção espacial.
Essa necessidade de ser pública - a condição de uma obra que não se origina entre quatro paredes, implica uma exacerbação simbólica que se manifesta e se materializa neste caráter delicado e efêmero de aparecer no mundo, como se representasse a busca constante de uma arte que aparece e não aparece e que, de repente, neste jogo de oposições, retém uma forma singular de exteriorização. O processo da arte é estar sempre perguntando; é um fluxo permanente de conhecimento, de uma nova ordem que vai adquirindo uma substantiva espessura e Laura Belém instaura a semente da pluralidade da visão, cria territórios simbólicos onde as impossibilidades se tornam presentes seja pelo deslocamento de situações espaciais, seja pelo esvaziamento do conteúdo original de objetos por adições e subtrações - como se quisesse afirmar uma realidade física que está prestes a se volatilizar.
Resta apenas um resíduo sugestivo de narrativas anteriores, à espera de novas camadas de significados. O núcleo de sua poética evoca um certo silêncio, um deslizar do seu olhar para um mesmo objeto de uso comum observado no cotidiano. O olhar fica nesse vácuo, nessa espécie de vazio contido, como um fator de perturbação. As suas operações estéticas aderem decididamente às contradições e às ambiguidades que alteram as condições da nossa habitual percepção do mundo e fundamenta uma nova ordem de experiência ao ativar a matriz de informação com sua mitologia pessoal.
Algo que já teve o seu sentido próprio, ganha um novo contexto ao produzir a imagem da imagem e indica um armazenamento de uma antimemória, incorpora o acaso e retém uma estrutura de códigos como algo que não pertence a ninguém. Sinaliza um discurso silencioso através de um jogo de subjetividades, ao esvaziar o teor significativo do conteúdo da matéria-prima e criar um novo continente de trabalho: ali o pensamento plástico se instala, criando fissuras e hiatos entre a imagem e aquilo que a representa. Nessa desocupação, temos a experiência estética da ausência, do vestígio e o estabelecimento de um elo entre o coletivo das imagens que já estiveram ali presentes e a sutil subjetividade da artista. O seu discurso interrogativo dialoga com a ressignificação de uma imagem original, tensiona o mundo real ao subtrair de sua função original algo já sedimentado, aquilo que estava lá e estabelece um instante enigmático que nos confronta com a desconcertante complexidade da relação entre a realidade e a sua representação.
Vanda Klabin