Vanderlei Lopes: Monumento
A ideia da perda de sentido na presença de monumentos no mundo contemporâneo, da falência dessa construção escultórica de representação histórica e cultural na paisagem da cidade, parece guiar a produção de Vanderlei Lopes em busca de um novo modelo possível. Deste modo, o artista opera na construção de monumentos às avessas, ou monumentos mínimos, onde transitoriedade e fixação – coincidência ou não, embate vivido também nas cidades contemporâneas – entram em choque. Os grandes heróis estão em queda, e dão lugar a fugacidade dos novos tempos.
O monumental no trabalho de Vanderlei extrapola o significado restrito à tradição escultórica e arquitetônica, engloba também os símbolos por nós eleitos como grandiosos na cultura, por valor cultural, religioso, monetário, e é claro, por valor especulativo. Seus monumentos elevam o banal, o acidente, a perda. Trazem à luz o que passa desapercebido, constroem buracos e tropeços, fazem desconfiar das certezas. É o milagre da conversão das pequenas coisas mundanas em grandiosas, onde não é mais a escala desses elementos que conferem à eles significância e sim as ações que eles contém, neles perpetuadas. Vincar, dobrar, queimar, derramar, marcar, cavar e tantos outros atos de caráter efêmeros são eternizados pelo artista, através da conversão da matéria e da sobreposição de espaços e tempos distintos. Um cavalo em tamanho real congelado no instante fotográfico entre tombar e reerguer, e a marca de suor de um copo transmutado em metal sólido sobre a mesa, carregam em si o mesmo milagre presentificado, pouco importa a escala.
O monumento apresentado é incerteza certeira, é a constante sensação de que algo está oculto, que tudo está velado, mesmo que ainda se faça presente. Os trabalhos são fantasmas carregados de matéria, são imagens efêmeras elevadas à objetos repletos de corpo. Prestes a inaugurar ou exibir, em Monumento nada é exibido a não ser seu próprio tecido sudário. O que deveria proteger esse objeto de grande importância de olhares prévios à sua inauguração, ou de algum possível dano causado por um espaço ainda em obras, agora está ali, ele próprio convertido em monumento, ocultando permanentemente o objeto que deveria proteger, se tornando ele mesmo o objeto. A preciosidade do que deveria estar por baixo, se deixa ver apenas por frestas laterais, por onde a luz dourada do avesso escapa, vestígio da importância do que está ali oculto. Resta apenas olhar a trivialidade com que o caimento e os vincos destes tecidos desenham, e que agora são perenes. Eles sim são a grandiosidade que se projeta delicadamente diante de nós.
Em Projeto a tentativa construtiva está falha, amassada, e é ela mesma a construção final. Está consolidada em milagre oculto, onde, diante dos olhos, papel marcado se torna marca dele mesmo, parece ter sido engolido por sua própria imagem e solidificado. E no impasse de estar certo ou errado, se eterniza em trânsito, entre geometria compulsiva de dobras, e ação destrutiva hesitante, paralisada antes do fim previsto.
A desconstrução total se torna o próprio projeto, e o desenho que deveria sustenta-lo, ou um dia já sustentou. Eles sim se consolidam como monumentais. Ode à falha como processo e objetivo final da construção, são refugos eternizados, são eles mesmos os monumentos erigidos por Vanderlei Lopes. Nenhuma certeza está revelada. Errância e engano importam mais que qualquer verdade absoluta.
Douglas de Freitas