Débora Bolsoni: Pra aquietar
A Galeria Athena tem o prazer de apresentar a exposição Pra Aquietar, de Débora Bolsoni.
A noite é a brincadeira do dia
O dia é a brincadeira do mar
O mar é a brincadeira da vida
Pra aquietar, pra aquietar
Luiz Melodia
Num texto da artista intitulado “Pique estátua” em referência à brincadeira infantil também conhecida como “estátua”, Bolsoni descreve “uma cena interrompida em que os objetos, como se fossem corpos munidos de movimento, foram surpreendidos antes de chegarem a seus devidos lugares, ou ainda, antes de chegarem ao lugar para onde se dirigiam”. Enquanto isso acontece, “a artista, à espreita, numa distração medida, deixa que os materiais lhe fujam do controle para poder então surpreendê-los, fazer um corte brusco e inesperado, como que para colher uma amostra do tempo para estudo e análise.”
Na brincadeira à qual se refere Bolsoni, o movimento é tão essencial quanto a quietude. O ganhador é aquele que evita ser visto em movimento, mas que, no entanto, se movimenta (“eppur si muove” que diria Galileu num sussurro diante do tribunal da inquisição que lhe julgava). Quem antes chega é, paradoxalmente, quem mais fica quieto... quem mais se mexe é quem se mexe menos? Estas ideias podem resultar contraditórias, mas elas são recorrentes na metafísica desde antes de Aristoteles, através do qual nos tem chegado a ideia de “motor imóvel”.
O motor imóvel é, em essência, o ato puro: “o que movimenta sem ser movimentado”. Trata-se de uma espécie de deus amoral e sem nenhuma caraterística antropomorfa. O motor imóvel é a primeira causa, mas não é o criador das coisas, nem mexe nelas com um senso de causalidade dirigida. Este deus aristotélico atrai as coisas colocando-as em movimento do mesmo jeito em que o amado mobiliza ao amante; por meio de uma atração ou força. Não se trata, portanto, de uma operação de natureza mecânica, apesar do que a palavra “motor” possa evocar hoje em dia. No motor imóvel não tem potência, só ato; mas nele o ato não implica movimento. Ao contrario: o motor imóvel só pode ser a causa primeira de tudo porque não se movimenta.
São as obras de Bolsoni, aquelas que interrompemos com nossa entrada em cena? Para onde elas vão? O que as movimenta? E se elas não fossem para nenhum lugar? As obras insinuam trajetórias em potência, parecem aquietar-se, deter-se, congelar-se quando olhamos para elas. Mas não será o contrário? E se elas não contivessem a potência de uma trajetória? E se fossem ato puro? Eis o motivo pelo qual estas obras sempre ganham: porque elas não estão brincando do jogo que aparentam brincar. Elas já chegaram ao seu destino porque não iam para nenhum lugar. Como diz Bolsoni nesse mesmo texto que comecei citando “o corte na linha do tempo é apenas uma tática de busca de permanência. Uma tentativa de entrever, na suspensão dos atos, alguma essência inesgotável.”
Como nas paradinhas da música de Luiz Melodia que dá título à exposição, estes cortes no tempo são, na verdade, a chave de qualquer movimento, sua essência inesgotável. A força que gera movimento por força de um fluxo magnético, uma atração. Como a Ilha de Paquetá, imóvel no tempo, atraindo Sônia Braga até ela, dirigindo seus passos. Ou como a famosa “zona proibida” do filme de Tarkovsky atraindo os “stalkers” até sua, sempre indecifrável, área de influência. Não são referências da artista à toa. Ondas, cubos ou cobras deslizantes, caminhos, palavras, rodas, carrinhos... já percebemos que as obras de Bolsoni refletem sobre a natureza do movimento, mas talvez o que se mexe não são as obras e sim a gente, firme e vagarosamente orbitando ao redor delas.
Claudia Rodriguez Ponga