Lais Myrrha: Cálculo das Diferenças
Galeria Athena tem o prazer de apresentar Cálculo das Diferenças, de Lais Myrrha.
Tudo é ficção
A obra de Lais Myrrha propõe conceitos claros para revelar formas inadequadas. Seu vocabulário é híbrido e poroso. Com cimento ou barro, colunas e torres, ações de construção e destruição, ouro e cocaína, mídia e política, a artista combina precisão e polissemia. Há uma urgência em elaborar o presente e, por isso, a análise histórica é fundamental. Mas se, teoricamente, a História e a Matemática deveriam operar nos domínios da razão, aqui elas expõem a arbitrariedade interessada de todas as linguagens.
Nesta exposição, Myrrha opera com medidas exatas para calcular o que é contingente, humano e potencialmente desleal. Propõe parâmetros de equivalência para configurar materiais incomparáveis ou incompatíveis. Os trabalhos contrastam porvir e ruína. Provocam o gosto amargo da autocrítica; a memória do que poderíamos ter sido; a consciência do fracasso que se percebe finalmente como delírio. Nas quatro peças de Cálculo das diferenças, materiais brutos em estado de devir são confrontados com sua inutilização e morte. Essa condição sugere narrativas. Projeto e escombro se conformam em espaços idênticos, que podem ser tanto caixa quanto caixão.
Em Soma (não) nula, ouro e cocaína têm o mesmo peso, um grama. A ideia de narrativa está novamente presente, pois a equivalência propõe algum tipo de acordo (pouco estável e pouco confiável) entre os materiais. As placas de ouro, precisas e sedutoras, não possuem memória. Lícito e ilícito se imiscuem. A artista está interessada na Teoria dos Jogos, um ramo da matemática que estuda o comportamento de indivíduos em estado de competição, com o objetivo de prever movimentos dos adversários e criar estratégias de ação. A teoria é aplicada a campos tão diversos quanto a economia, as ciências políticas, a biologia, as ciências militares e a cibernética. Nesse contexto, os chamados “problemas de soma não nula” são aqueles em que o ganho de um jogador nem sempre corresponde à perda do outro, o que não significa que o resultado será justo, pois ambos têm o objetivo maior de levar vantagem, nem que seja em prejuízo do adversário. Um exemplo clássico de “soma não nula” é o problema matemático conhecido como “dilema do prisioneiro”, onde dois jogadores são colocados numa situação em que o resultado mais vantajoso para ambos depende da mútua colaboração. Ainda assim, eles têm como opção confiar ou trair um ao outro.
Há cerca de quinze anos, Myrrha vem investigando o território incerto das memórias coletivas, onde patrimônio e monumento representam poderes, valores e aspirações. Ao construir anti-monumentos monumentais, a artista aponta para as fragilidades e as incoerências desses projetos. A fotografia está presente como documento parcial, uma espécie de olhar retrospectivo imperfeito e, por isso, adequado à investigação de estados pantanosos. Em trabalhos recentes como Corpo de prova, Descontinuidade pelo tempo e Estrutura, colunas projetam sua própria queda, consumada – ou na iminência de ser consumada – na inconsistência de procedimentos e materiais. Porém, ao formatar ruínas, as obras da exposição Cálculo das Diferenças se impõem como ações generosas e necessárias, exemplos da potência da arte em situações de desastre.
Heloisa Espada